Crónica: Fui ao piolho, sou fixe


Fui ao Piolho,

sou fixe

Nikita Silva

Ano2 | Turma 3

Lá vão os tempos em que o café Ancora d’Ouro era um local de reunião, de culto e com personalidade. Mais conhecido por Piolho, é agora um centro de falsas aparências e de ponto de encontro para estudantes noctívagos à busca de reconhecimento.

Antigamente o café Piolho era frequentado principalmente por estudantes universitários e oponentes do sistema fascista, por participantes das várias tertúlias e até por docentes das faculdades. Era uma “piolhice”, aliás o nome tem origem nisso mesmo. Foi o primeiro café do Porto a ter electricidade, o primeiro a ter televisão. Este estabelecimento era feito de cultura e tradição onde se podia encontrar sempre clientela diversificada e ambiente informal. Respirava-se ar fresco, muito diferente da atmosfera pesada da ditadura e da vida urbana.

O Piolho actual não é nada do que era, tirando o facto de continuar um ponto de encontro de estudantes. É pena, mas não passa de um café com alguma história que nem quem o frequenta conhece. As mensagens continuam na parede mas ninguém as lê.

Ser visto no Piolho é importante, é uma declaração social. Chega-se a tornar ridículo, tanta gente a fumar Black Devil, só porque exclusivo do Piolho, e a beber meio litro de cerveja só porque é “cool”. São como clones mecanizados.

Já nem se quer entra no café, é ainda mais notável ficar em pé no passeio juntamente com 100 pessoas, mas sem antes ir buscar cerveja. O segredo é um grupo em que se está inserido porque quanto mais populares as pessoas com quem está, melhor. E sem esquecer, ir trajado dá pontos extra.

É um ciclo. Aparecer, fumar, beber, engatar umas miúdas, mostrar os livros que nem sequer lêem, mostrar-se aos outros, voltar no dia seguinte e fazer tudo outra vez. É um cliché tão gasto.

As raparigas de 18-19 anos vestidas e maquilhadas como mulheres de 30, com brilhantes em todo o corpo que está à mostra de qualquer, gostam de se pavonear em frente ao sexo oposto. Não interessa se são estudantes do secundário, universitários, professores ou homens mais velhos, o mais importante é que eles olhem.

Por muito fantástico que seja ir ao Piolho durante o dia, depois da meia-noite é muito mais. Por lei são obrigados a retirar a esplanada, o que deixa o passeio livre. E bem que é preciso pois dezenas de jovens vão amontoar-se no passeio e ficarem lá durante horas, esteja calor ou frio, sol ou chuva. o barulho não é problema pois o Piolho comprou a residencial acima, já sabendo o espectáculo diário que se monta, sempre patrocinado pela Super Bock.

Está em vogue dizer “Vou ao Piolho” mas com as novas tecnologias e graças às redes sociais online é mais fácil difundir a mensagem. Colocar no status do Facebook “Ontem no Piolho, que noite” ou no nick do Messenger “Adoro os dias no Piolho” é tão comum e ao mesmo tempo triste porque nem sequer sabem do que estão a falar.

O Porto é importante. Poder andar na Faculdade é importante. O Piolho é apenas o reflexo da massa universitária e dos valores que defendem, tanto antigamente como agora. Para muitos o Piolho morreu, para outros o Piolho é tudo.





4 ideias:

D.C.S. disse...

gira :)

Daniela Dias Teixeira disse...

eu já li as placas que estão no piolho! ah pois é =)

N'Yumi disse...

Gosto muito do blog.
E essa perspectiva estende-se a muitos domínios, nao só ao piolho, pelo menos parece-me. Agora faz-se muita coisa porque é fixe e pronto, não há uma vontade exclusivamente pessoal. É triste ver esta massa de gente que é a minha geração, parecer toda ela igual, e cada vez mais mecanizada, como dizes.

Felizmente que nem toda a gente é assim:)
Beijinho,
Fernanda

Cristian disse...

Isto estende-se de certa forma a um panorama geral da cidade, a moda torna os lugares afectivos a um grupo social que não demonstra nada mais que a ansiedade de emancipar-se. Encontra-mos então grupos de jovens que como referiste tem como melhor companhia a super bock e meio conto a acompanhar as noites de "ser social" e na conclusão são 4 da manha e 60% deles arrastam-se bêbados e drogados. Creio que na verdade nenhum de nós desta geração "recente", temos em conta a importância do piolho no desenvolvimento político e social deste pais ou neste caso cidade. Um simples café que foi um marco geográfico de liberdade de expressão.
Tive uma professora de psicologia visual no meu 1º ano que diz que em '74 passava tardes a estudar no piolho e que foi lá que assistiu a grandes acontecimentos sociais que hoje construíram tudo o que temos.
Eu sou desta geração recente e deduzo que tu também e falo por mim, eu também frequento o piolho regularmente já a vários anos e também me acompanho da super bock e de qualquer maneira querendo ou não acabo envolvido não nos costumes da sociedade mas sim naquele ambiente, o mínimo que eu individualmente posso fazer por mim é manter o respeito digno por tudo aquilo que aqueles paralelos daquele pavimento que muita história presenciaram e também por todos aqueles que lá passaram e construíram a história da cidade e pelo que li aqui, deduzo que também o faças e parabéns. :)

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